A França é a nação europeia que possui mais negros em sua população, algo em torno de 8%. Ao todo, há cerca de três milhões de negros no país, graças às colônias francesas na África, como a Costa do Marfim, Senegal, e outros países do Norte. Anualmente, milhares de novos imigrantes deixam sua terra natal em direção ao país na busca por uma vida melhor.
Historicamente, a França sempre esteve aberta à mistura da população. Foi o primeiro país a abolir a escravidão, em 1794. No entanto, 218 anos depois, a vida para os negros não é assim tão fácil. Na periferia e em bairros mais afastados de Paris, é comum se deparar com frase de protesto (e preconceito) nas paredes de muros como: “Negro + Branco = Sujeira” ou “Negros, fiquem em seus países”.
Apesar de conviverem há anos com a população afro-descendente, uma parcela de franceses ainda vê a mistura de raças como um problema. Claro que há movimentos de apoio, no entanto, o preconceito ainda é forte e isso é fácil de se notar. Mas, nem tudo são mazelas e problemas.
Apesar do olhar de desdém de muitos franceses, na própria Paris, há alguns lugares em que a população é majoritariamente negra. Em bairros como a boêmia Montmartre, eles vivem em harmonia com os brancos.
- Vim morar na França em busca de oportunidades. Nem tudo era como eu pensei, mas me adaptei bem à vida aqui e estou melhor do que no meu país – diz Pierre Montére, atendente de padaria, oriundo do Senegal e pai de dois filhos franceses.
Nesse contexto de segregação, os negros aos poucos conquistaram seu espaço. Mais do que isso, apesar de viverem em outro país, eles valorizam sua cultura-natal. Em Montmartre, há lojas de roupas africanas e, em toda a capital francesa, os negros abusam de penteados afro, roupas típicas, e do orgulho de sua negritude.
Em 2002, o país criou a Rota das Abolições da Escravidão, que consiste em quatro cidades do leste francês, na região de Franche Comté: Pontarlier (onde está o Castelo de Joux, que aprisionou o líder negro Toussaint Louverture, abolicionista da República Dominicana), Champagney (que mantém o Museu da Negritude), Emberménil (município do Museu do Abade Gregório) e Fessenheim (que criou o Museu Victor Schoelcher, homenageando o parlamentar responsável pela lei da abolição dos escravos francesa).
Ao fazer essa visita, o turista descobre não apenas as belezas típicas do país, mas mergulha na história que refaz o caminho da abolição. A rota recebeu o apoio da Unesco, que instituiu 2004 como o “Ano internacional de comemoração da luta contra a escravidão e de sua abolição”.
Os negros são presença viva em Paris. Nas lojas de departamento, nas padarias, nos restaurantes, nos famosos cafés, nos principais pontos turísticos… A capital francesa possui bairros inteiros em que a cultura afro é evidente, como as ruas próximas à Place de la Republique, na região central da cidade. São salões de beleza, lojas de produtos especializados para o cabelo afro e até um museu, o Dapper, que reúne obras da África e inspiradas nela.
Apesar de tantas aberturas, conflitos entre negros e brancos são comuns. E, até mesmo para um estrangeiro, é fácil de perceber o olhar de desdém de alguns franceses para a população afro. Paris concentra, hoje, um dos principais conflitos entre negros e brancos em território europeu. Muitos afro-descendentes ainda estão nas periferia, vítimas do desemprego e da discriminação.
No futebol francês, casos de racismo são constantes. Em pesquisa recente, a maioria dos negros franceses declarou ter sido vítima de racismo em algum momento. Não faltam evidências. Apesar de tantos encantos, preconceito ainda é tabu na cidade-luz. Mas a luta não para.
Este ano, Harlem Désir, membro do Parlamento Europeu e ex-ativista anti-racismo, foi ungido próximo líder do partido dos socialistas franceses, tornando-se assim, o primeiro líder negro de um partido europeu. E não é só na política que a luta por uma sociedade igual se perpetua:
- Temos que valorizar a nossa cultura. Não é porque vivemos em outro país que vamos abandonar nossas raízes. Creio num futuro em que a França será ainda mais aberta para todos nós – sentencia Adelie Furlenier, filha de um imigrante negro com uma francesa branca.
Com apenas 13 anos, a jovem já entende o valor de sua cultura e o quanto o país e o pensamento precisam evoluir para gerar uma nação mais harmoniosa
Artigo da revista:
Revista Afro